
Por Alex Caldas de Souza – Advogado (Foto: Divulgação/STF)
Li o voto do Min. Alexandre de Moraes, que condena ‘a cabeleireira’ Débora Rodrigues dos Santos a uma pena total de 14 anos, a ser inicialmente cumprida em regime fechado.
A primeira coisa a ser desmentida é esta: não, ela não foi condenada a 14 anos por vandalizar uma estátua. Quem escreve isso reproduz uma inverdade - se por ignorância ou má-fé, é caso de analisar cada hipótese concreta. A pena chega a este número, 14 anos, porque somada com a dos demais crimes praticados, e como ultrapassa 8 anos, automaticamente deve ser suportada atrás das grades, por força do art. 33, §2º, ‘a’, do Código Penal.
Especificamente, Débora foi condenada às seguintes penas:
Art. 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão. [A pena mínima era de 4 anos].
Art. 359-M (Golpe de Estado) do Código Penal à pena de 5 (cinco) anos de reclusão. [A pena mínima era de 4 anos].
Art. 163, parágrafo único, I, III e IV (dano qualificado) todos do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo. [A pena mínima era de 6 meses].
Art. 62, I (deterioração do Patrimônio tombado) da Lei 9.605/1998, à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/3 do salário mínimo. [A pena mínima era de 1 anos].
Art. 288, parágrafo único, (associação criminosa armada) do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. [A pena mínima era de 1 ano].
A sentença apresenta provas relevantes, e parece não restar dúvida de que a ré, dentro das suas limitações cognitivas, estava lá ciente do que ocorria e com dolo comum àqueles que pretendiam abolir de forma violenta o Estado Democrático de Direito. Os danos ao patrimônio público foram na casa das dezenas de milhões. Uma vez adotada a teoria do ‘crime de multidão’, que é um ponto crítico a ser enfrentado, fica difícil afastar a responsabilidade penal de Débora.
Sobre as penas, vejam bem, há coisas muito mais bárbaras acontecendo nos corredores da justiça ‘comum’, com especial menção às mudanças recentes na jurisprudência do TJRS para uma corrente de penas muito mais rígidas - massivamente apoiada pelo público que agora critica as penas propostas por Alexandre de Moraes.
Enfim, cabeleireiras e quaisquer outras pessoas podem praticar crimes gravíssimos. O argumento de que é uma mulher simples, humilde, e acredito mesmo que seja, não exclui ou atenua a sua responsabilidade penal. Ela provavelmente embarcou nessa furada por burrice, iguais a outros tantos que estão sentados nos bancos dos réus Brasil afora. Quantos sujeitos, seja por promessa de dinheiro fácil ou ideologia, não participaram de empreitadas ilícitas e acabaram condenados?
Sim, ela era só uma peã, manipulada sem nem perceber. Nesse tabuleiro da tentativa frustrada de golpe de Estado, há todos os perfis: os peões, que avançam achando que fazem diferença, mas são sempre os primeiros a cair; o clero, que finge estar acima do jogo, mas está tão envolvido quanto qualquer outro; os cavalos, que se movem de forma imprevisível e servem a interesses obscuros; e os reis e rainhas, que nunca se sujam no campo de batalha, mas que têm o poder de decidir quem vive e quem cai.
Ao cabo, espera-se que cada um responda pelos seus atos, e isso somente é possível por uma razão: a iniciativa falhou. Se os golpistas tivessem logrado sucesso, poderia este texto ser escrito? Sei lá. Destaco, ainda, que o Ministro fez constar em seu voto que, quando de seus respectivos julgamentos, os líderes e responsáveis efetivos deverão responder de forma mais gravosa.
É possível criticar o voto do Ministro? Sim, claro. O controle epistemológico-jurídico das decisões judiciais é essencial em uma democracia.
Errado é sair por aí dizendo que Débora foi condenada a 14 anos em regime fechado por vandalizar uma estátua. Não foi isso o que ocorreu. E, de coração, digo: é uma pena que a burrice conduza pessoas - que podem ser boas no seu cotidiano - à prática de crimes gravíssimos.