
Por Padre Jeferson Schaefer Furtado – Vigário Paroquial em Dois Irmãos
Todo ano, na Quaresma, a Igreja no Brasil chama a gente para parar um pouco. Respirar fundo. Pensar na vida — não só na nossa, mas na vida como um todo: da comunidade, da sociedade, do planeta.
Em 2025, a Campanha da Fraternidade vem nessa linha, com o tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gênesis 1,31). Mas e hoje?
Será que nossos olhos ainda conseguem ver o “muito bom” que Deus contemplou no começo? Mas o que é mesmo essa tal de ecologia integral?
Olha, não é só sobre plantar árvore ou separar o lixo — embora isso também conte, claro. É mais fundo que isso. É entender que tudo está conectado. O jeito como tratamos o planeta diz muito sobre o jeito como tratamos as pessoas.
O Papa Francisco explica isso com clareza na Laudato Si’: o grito da Terra e o grito dos pobres são, no fundo, o mesmo grito. Quando a criação sofre, a humanidade sofre junto. E vice-versa.
E a gente tem dois bons motivos para levar isso a sério: os 800 anos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis — aquele hino bonito que chama até o sol e a lua de irmãos — e os 10 anos da encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco.
Ou seja: não é modinha.
É missão mesmo. Cuidar da criação é coisa de quem leva a fé a sério.
Mas, espera aí… isso tem a ver com Quaresma?
Tem tudo a ver. Quaresma é tempo de oração, jejum e caridade. Mas é também tempo de revisão de vida, de conversão. E conversão de verdade precisa mexer com os nossos hábitos.
Orar pela criação, jejuar do excesso e do desperdício, partilhar com quem sofre os efeitos da degradação ambiental... tudo isso é espiritualidade quaresmal em ação.
E quer saber? Tem gente que acha que a Campanha tira o foco da Quaresma. Mas é o contrário: ela aprofunda. Ela faz a gente sair do automático.
E sobre aquelas críticas por aí... vale comentar?
Vale sim — com respeito e serenidade. Tem gente que diz que a CF mistura religião com política ou que desvia do espiritual. Mas a verdade é o seguinte: viver o Evangelho não é só rezar bonito, é viver com os pés no chão.
Jesus curava corpos, alimentava famintos, tocava na realidade. E a missão da Igreja é a mesma: encarnar o Evangelho na vida real. Assim, a Campanha da Fraternidade segue sendo um dos instrumentos mais eficazes de evangelização no Brasil.
Nem todo mundo entende, tudo bem. Mas talvez o incômodo seja justamente sinal de que ela provoca. E, às vezes, provocar é o que move.
Tá, mas... e a gente aqui em Dois Irmãos? O que faz com tudo isso?
Aqui entra o agir, que é talvez a parte mais bonita — e a mais desafiadora. Porque não adianta só falar bonito e concordar com a cabeça. O mundo muda mesmo é com atitudes.
E olha, Dois Irmãos já dá bons passos: a coleta seletiva que funciona há anos, o cuidado com as árvores, os projetos de educação ambiental nas escolas… Isso tudo já é sinal de consciência.
Mas a gente pode — e precisa — ir além. Participar de um mutirão solidário, economizar água e energia, separar bem o lixo, desperdiçar menos, cuidar da pracinha, respeitar os espaços comuns (e, olha... meu sonho mesmo, nesse sentido, é que um dia a gente veja o povo celebrando o Kerb sem jogar lixo no chão...), ensinar pelo exemplo… pode parecer pouco, mas pequenas atitudes criam uma cultura. E cultura transforma.
E o mais bonito: não é só o ambiente que muda. A gente também muda por dentro. Porque cuidar da criação começa fora, nas coisas que a gente vê… mas termina dentro, no coração da gente.
Um tempo especial, um chamado à esperança. Estamos vivendo o Ano Jubilar da Esperança. E esperança, aqui, não é ficar esperando as coisas melhorarem sozinhas, não. É ter fé de verdade. É plantar mesmo sem ver a flor. É cuidar mesmo sem aplauso. É acreditar que dá para mudar, sim.
Além disso, seguimos no caminho do Sínodo da Sinodalidade, buscando ser uma Igreja que escuta, acolhe, participa. E escutar o grito da Terra, hoje, é parte desse processo sinodal.
Para fechar: e se a gente assumisse esse compromisso de verdade?
A Campanha da Fraternidade 2025 não é só um tema bonito para colar no cartaz da igreja. É um puxão de orelha — no bom sentido. Um chamado a acordar. Cuidar da criação não é opcional: é sinal de fé viva. Fé que se move. Fé que transforma.
Então, que tal fazer desta Quaresma um tempo de conversão que vá além do “só para mim”? Que tal cuidar da vida e do planeta com esperança ativa e mãos na massa?
Porque Deus viu que tudo era muito bom. E Ele continua acreditando na gente. A pergunta que fica é: será que a gente também acredita o bastante... para cuidar daquilo que Ele nos confiou?