
Padre Paulo Wendling
Dia 2 de fevereiro de 1982, cheguei ao Bairro Rondônia, aqui em Novo Hamburgo. Na última sexta-feira exatamente 42 anos. Dia 2 de fevereiro de 1999 comecei a atender neste centro, que completa 25 anos, BODAS DE PRATA.
Olhando pelo caminho andado, jamais alguém poderia imaginar o que o Bairro Rondônia reservou para mim. Foi uma verdadeira revolução e reviravolta, no bairro e na minha vida. Nem uma bola de cristal poderia revelar este destino. Não está escrito em nenhum documento da Igreja local, nacional ou de Roma que eu devia fazer o que fiz, pois não fui preparado para isto. O que fiz ao longo de 35 anos e 25 anos hoje, neste local, é uma exigência do Evangelho, conforme os textos que ouvimos.
Este trabalho iniciou na Paróquia Nossa Senhora das Graças, aqui no Bairro Rondônia, quando D. Fr. Boaventura Kloppenburg, era bispo da nossa Diocese. Com a sua bênção e única recomendação: “Não faça curandeirismo” iniciei este trabalho, que mais tarde exigiu um novo planejamento. Este centro é um ato de rebeldia, de não conformidade com o que encontrei nos caminhos da vida. Poderia dizer: é um chá com uma dose elevada e concentrada de rebeldia. Olhando para Jesus, vejo que Ele também não se adaptou, não se conformou nem se deixou modelar pelo sistema farisaico.
Celebramos 25 anos de rebeldia em favor da vida. Nunca mais consegui me adaptar a uma Igreja que cuida da sacristia, dos castiçais, de velas, de incenso, de panos, devoções e que deixa as pessoas doentes sem promover a vida, a saúde, a cura de suas feridas.
Jesus, o rebelde e inconformado com a dor, com o sofrimento do povo, em dia de sábado, na sinagoga promove uma verdadeira pastoral revolucionária, ao colocar um doente no centro, no meio da sinagoga, onde estava o púlpito da Torá, da Palavra de Deus. Jesus percebe como são insensíveis com a dor alheia.
Uma religião que usa a Palavra de Deus para deixar as coisas como estão, não é com Jesus. Uma religião de ritos endurece o coração. Jesus cura o homem que muitas vezes foi lá rezar e escutar a Palavra de Deus. Mas naquele dia ele voltou para casa, curado. Se a Palavra de Deus não estiver a serviço da libertação das pessoas, não é Palavra de Deus. Jesus não se acomoda a um sistema que explora a doença e deixa o povo viver doente.
Por isso, posso dizer: Fui ordenado para defender os fracos e oprimidos e não os frascos e comprimidos. Precisamos ser profetas da vida e não conformistas da doença ou lamentadores da morte. Jesus veio para curar, tirar do caminho da vida, das sinagogas, das igrejas os males, o que destrói e mata, o que impede e não promove a vida. Jesus não espera pelos planos e promessas das autoridades, mas age onde é necessário cuidar da vida. Fazer o bem nos conecta a Deus e Deus opera milagres através da nossa ação. “Vai e faze tu a mesma coisa”.
Jesus transforma a vida, a realidade onde passa.
Saber preparar e usar um chá, um xarope, uma pomada, argila, água, óleo, os elementos da natureza, não é charlatanismo nem curandeirismo, mas é usar a sabedoria dos simples para cuidar da vida. É a essência do cristianismo, do Evangelho: cuidar da vida! Jesus usou os elementos da natureza para cuidar, curar e promover a vida.
Ao longo destes 25 anos, 416.019 pessoas foram atendidas aqui. Muitas vieram em busca de uma última esperança, de uma palavra de paz, de luz. Vieram buscar um bálsamo para suavizar as dores e cicatrizar as feridas da alma, do corpo e da mente. Quando temos uma pedrinha no sapato, sabemos onde dói... A missão do CEDIPAVI é cuidar e promover a vida. É ensinar a viver para oportunizar um estilo de vida mais saudável, cuidando dos alimentos, da água, da natureza.
O CEDIPAVI é um sinal de contradição, pois exerce uma missão profética e acredita no poder da obra criadora de Deus, a serviço da vida. O CEDIPAVI exerce uma ação samaritana que coloca vinho e azeite nas feridas do nosso povo.
O Papa Francisco fala em uma igreja samaritana. O bom samaritano, sem ser médico ou enfermeiro, salvou a vida do ferido usando os recursos que tinha: vinho e azeite.
Ele não fez uma ação de reza, mas de cura com os elementos da natureza. Jesus em nenhum momento pede rezas pelos doentes, mas sim ações de curar, como Ele mesmo fez. Jesus não veio apenas ensinar doutrinas, e sim ensinar a viver, a sermos humanos e sua ordem é contundente: “Vai e faze tu a mesma coisa”. Jesus não disse: reze, ensine, mas fazer... derramar vinho e azeite nas feridas do povo.
Quando nos deixamos desafiar pela Palavra de Deus a uma ação em favor da vida, Deus mostra o caminho e o Espírito Santo inspira o que fazer. Homens quiseram impedir este trabalho, mas Deus inspirou caminhos que confundiram os sábios que nunca vão entender os mistérios que Deus revela aos simples. (Mt 11,25)
Vivemos num planeta doente.
Quando Deus fez a obra da criação, viu que era “muito bom”. Depois o “Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para cultivá-lo e guardá-lo.” (Gn 2,15) Hoje vivemos as consequências da falta de cuidado com a obra de Deus. O homem com sua ação adoeceu o planeta e o planeta produz alimentos doentes. Consumimos uma água tóxica e alimentos doentes que são responsáveis por uma infinidade de doenças que causam dores e sofrimentos para todos.
É preciso perguntar por que estamos doentes, o que realmente nos adoece. E isto não se faz com rezas, devoções, doutrinas, novenas. É preciso mudar atitudes, mentalidade, o que exige conversão. O CEDIPAVI é um espaço onde se vive a contradição de uma sociedade que prefere abrir uma farmácia em cada esquina e deixar o povo cada dia mais doente. O CEDIPAVI não precisaria existir e eu poderia ficar na sacristia ou no conforto de uma igreja se o nosso sistema de saúde, que não é de saúde, mas de doença, fosse eficaz e as pessoas ficassem livres de suas dores e sarados de suas feridas, físicas, emocionais e espirituais.
Nosso espaço ao longo destes 25 anos é um oásis de esperança que não se intimida em denunciar o que mata e adoece a vida e em anunciar o que cura e promove a vida.
Deus nos fez para sermos felizes, aqui e agora, antes de irmos para o céu, nossa morada definitiva. Jesus nos deseja vida em abundância (Jo 10,10) Jesus deseja que cada um de nós tenha o suficiente para viver com dignidade.
Temos cada dia mais abundância de doenças, de dores, de sofrimentos. Abundância de vida não é o mesmo que abundância de devoções, mas de ações a favor da vida. Uma Igreja samaritana é uma Igreja que vai ao encontro dos sofredores, é uma igreja em saída que promove e cuida da vida.