Uma festa anunciada pelos sinos, foguetes e pelo aroma de cucas saindo do forno

28/09/2021
Tia Liria relembra o Kerb de antigamente

Tia Liria relembra o Kerb de antigamente

Liria Lucia Lawisch, ou Tia Liria, como é popularmente conhecida, é uma professora aposentada que dedicou a sua vida à preservação da cultura alemã por meio da dança. Ela conta em entrevista ao Jornal Dois Irmãos sobre como era o Kerb antigamente e como conseguiu ajudar a resgatar a dança tradicional alemã no município.

Líria explica que antigamente no Kerb ninguém trabalhava e que ela já sabia que a celebração se aproximava pelos foguetes e os sinos das igrejas que anunciavam a festa em homenagem a São Miguel. Os fieis das três religiões – Luterana, Evangélica e Católica – celebravam a data cada um em suas igrejas e depois com bandinhas caminhavam em direção à Sociedade Santa Cecília, onde todos se encontravam e dançavam – tradição que persiste até hoje. A dança durava até perto do meio-dia, horário de ir para casa almoçar com a família. “Era uma festa de toda a cidade”, relembra Tia Liria.

As casas ficavam cheias de visitas que vinham de todas as partes para comemorar a data. A essência do Kerb naquela época era a religião e a família, por isso Tia Liria conta que ela e a mãe passavam os dias anteriores ao Kerb preparando tudo, desde um espaço para os parentes amarrarem seus cavalos, até cucas e pães extras para eles levarem àqueles que não conseguiriam visitar a família na data.

 

Verdadeiro banquete

As refeições do Kerb eram um banquete para o estômago e para os olhos. Comidas como cuca, linguiça, spritzbier, rabanete, repolho, pepino, salada de batata, assado de porco, pão branco, doce de coco e doces em conserva não podiam faltar e eram feitos todos em casa.

Uma curiosidade contada por Liria é que comer pão branco na época era quase uma raridade. “Se usava muito milho, trigo a gente não tinha aqui plantado. Então se misturava o trigo com farinha de milho. No Kerb, a gente comia pão branco, só da farinha de trigo, era uma data especial”, recorda.

Para Tia Liria, é importante manter as tradições e valorizar o verdadeiro significado do Kerb de São Miguel. “Esta não é uma festa de bebedeira, é uma festa religiosa e de família em agradecimento a Deus pelo que os antepassados passaram para chegarem aqui e nós estarmos como estamos”, afirma.

 

A dança como cultura em movimento

Antes de 1979, Dois Irmãos não tinha nada a respeito de folclore alemão com danças. Dois Irmãos é uma cidade com muitos descendentes de alemães e já existia uma forte parte cultural com corais e bandinhas, mas com dança, não. Tia Liria era professora na escola estadual 10 de Setembro nessa época. 

Na escola, havia todos os anos um festival de danças, mas eram danças de todos os estilos. A professora Glaci Doerr fazia esse trabalho de ensinar as danças para as crianças de qualquer série. Tia Liria lecionava para a segunda série e questionou que teria o festival novamente e nenhuma dança alemã junto das apresentações. Glaci disse que não sabia como ensinar esse tipo de dança, mas que, se ela quisesse, poderia ajudar. Porém, Tia Liria também não sabia como ensinar a dança e lembrou-se que residiam em Dois Irmãos pastores evangélicos que faziam um trabalho missionário e que eram da Alemanha. “Eu tinha na minha sala de aula um aluno que era filho desse pastor. Comentei com a mãe da criança sobre querer aprender para poder ensinar a dança típica alemã. Ela me disse que, quando estava na Alemanha e era jovem, dançava em um grupo e poderia me ajudar a ensinar os alunos. Eu tenho guardado um disco de vinil que foi o primeiro que eu usei; ela me deu de presente um disco com músicas para crianças. Foi assim que tudo começou”, conta.

Assim, ela deu início a um grupo chamado ‘Alemãezinhos do 10’. Na Festa do Colono eles se apresentaram e foram aplaudidos de pé, pois os moradores estavam vendo algo que tinha relação com a origem deles. “Quando vi, tinha tanta criança que eu não sabia onde colocar todas. Tinha mais de 100 crianças dançando. Eu fazia isso fora do meu horário de aula, era um trabalho voluntário”, comenta Tia Liria.

 

Trabalho reconhecido pela população

Posteriormente, também foi criado um grupo de jovens, que chegou a fazer uma turnê de shows pela Alemanha em 1996 e existiu de 1989 até os anos 2000. Liria também tinha um grupo da terceira idade de dança típica alemã, que encerrou as atividades temporariamente devido a pandemia.

Ela também organizou o intercâmbio de artistas da Alemanha para se apresentarem em Dois Irmãos e organizava para eles ficaram em casas de família, proporcionando uma importante troca entre o município e a Alemanha. Para Tia Liria, é uma alegria poder dizer que houve um resgate da cultura dos imigrantes por meio da dança e que o trabalho feito foi reconhecido positivamente pela população.

 

 

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Uma breve história do Kerb de São Miguel

O Kerb de São Miguel, que é a festa mais tradicional de Dois Irmãos, teve origem com o navio Cecília. No veleiro, os imigrantes alemães partiram bravamente da cidade de Hamburgo em 1827 em busca de construir uma vida melhor em terras brasileiras.

No caminho, a caravela enfrentou uma forte tempestade. Em meio a um eminente naufrágio e em desespero, os colonos fizeram a promessa de que se fossem salvos e se conseguissem chegar ao Brasil, o santo padroeiro do dia da chegada seria comemorado por todas as gerações de descendentes. O navio não afundou, mas eles vagaram na incerteza do oceano por três semanas até que um navio Inglês os resgatou. 

Em solo inglês eles tardaram dois anos para arranjar outro navio para seguirem a viagem em direção as Américas. Foi no dia 29 de Setembro de 1829 que eles finalmente chegaram ao Brasil e foram rumo a “Baumschneiss” que mais tarde seria denominada como Dois Irmãos. Em honra a promessa feita no navio e aos ancestrais que construíram com sua fé e garra essa cidade, o Kerb de São Miguel é comemorado todos os anos no município com muita alegria, família, religião e abundância.

 

(Reportagem de Giordanna Benkenstein Vallejos)


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