Sem vagas nas cadeias, presos superlotam delegacias gaúchas

24/01/2020
Investigação testemunhou uma madrugada de plantão na DPPA de Novo Hamburgo

Investigação testemunhou uma madrugada de plantão na DPPA de Novo Hamburgo

Instigada pelo relato de oficiais da segurança pública, a reportagem acompanhou parte do plantão do delegado Rafael Sauthier no dia 8 de novembro, na DPPA de Novo Hamburgo. O objeto foi vivenciar de perto a rotina da delegacia, principalmente as custódias dos presos.
O horário noturno é das 20h às 8h. Naquele dia, foram cinco flagrantes em 12 horas. Sem espaço nas celas, estes presos se juntaram a outros quatro que já estavam do lado de fora sob custódia da Brigada Militar. Ou seja, eram doze encarcerados nas celas e mais os nove no pátio, um total de 21 homens aguardando vaga no sistema prisional. Segundo o delegado, um deles estava na DPPA há 10 dias.
Chegamos ao local por volta das 22h30. Naquela hora, já eram sete presos do lado de fora da delegacia, custodiados por seis policiais militares. Cinco deles estavam deitados, dormindo, enquanto outros dois se mantinham acordados, conversando entre si. Dos sete, dois dividiam um colchão. Os demais estavam deitados ou sentados em caixas de papelão. Todos tinham cobertores, apesar de ser um dia quente. Ao lado de um deles também estavam duas garrafas pet de 2 litros, com suco.
Durante seis horas, a reportagem circulou livremente pela área onde as pessoas aguardam o registro de ocorrência e a parte externa da delegacia, especialmente onde ocorrem as custódias. O lugar onde os presos ficam é quase na calçada, mas cercado por viaturas, buscando garantir a segurança dos próprios detidos e de quem circula por ali.
Ao analisarmos a cena, percebemos que a condição do policial militar, quando se fala em estrutura, não é muito diferente da do preso. Ou estão de pé ou sentados em cadeiras de praia e bancos. Os olhares se dividem entre os presos e os arredores do local. Ali, todo mundo está correndo o risco o tempo todo. Naquele dia, inclusive nós. Impossível negar o medo.
Não bastasse a custódia, durante o tempo que permanecemos no local, diversas vezes policiais tiveram que levar presos até o banheiro, que fica no primeiro andar do prédio. Esse momento também causa insegurança, uma vez que os encarcerados precisam passar pelo local onde as demais pessoas circulam. Ali, estão geralmente com algemas em apenas uma das mãos, segurados por um policial.
Conforme o delegado, mesmo com todas as revistas às quais os indivíduos são submetidos, pode ocorrer de algum deles conseguir enganar os servidores. Dias antes, segundo o delegado, um preso tentou esconder uma faca na pia do banheiro.
Dentro da delegacia, o ambiente estava calmo, silencioso, exceto nos momentos onde os presos das celas começavam a gritar. As celas ficam no andar de cima; não foi possível entender o que eles queriam. Segundo o delegado Rafael, não raras às vezes presos danificam estes espaços.
A calmaria é interrompida quando a BM chega com mais presos, pois aumenta a movimentação no espaço interno. Madrugada adentro, naquela noite foram mais três prisões. No primeiro caso, um jovem foi preso em flagrante por furto em São Leopoldo. Sem luz na DPPA de lá, tiveram que registrar o fato em Novo Hamburgo. Um a menos no lugar. Um pouco mais tarde, já por volta da 1h da manhã, um usuário de drogas foi preso após ser acusado de agredir a própria mãe. Algemado, o garoto chegou revoltado à delegacia; enquanto a mãe chorava. A expressão dela era de desespero. Sentada diante de um policial, ela relatava o fato, muitas vezes encostando a cabeça na cadeira, como se estivesse sem forças.
Enquanto isso, o jovem já era levado para a custódia. Finalizada a ocorrência, a mãe saiu de lá e ficou sentada durante alguns minutos em frente ao prédio, em um muro. Levava as mãos à cabeça a todo o momento. E o filho seguia ali, perto dela, mas algemado, sob a visão de policiais militares, aguardando uma vaga para ser transferido.
Cerca de três horas depois, o último flagrante, de novo por Maria da Penha. Desta vez, uma mulher foi agredida pelo marido. Apresentado na DPPA, após o registro, era o nono preso custodiado pela BM do lado de fora do prédio.
De acordo com o delegado Rafael, raras às vezes em que surgem vagas nos presídios aos finais de semana.
Há 1 ano e meio atuando exclusivamente no local, o delegado Rafael afirma que os menos prejudicados com as custódias são os presídios. “Cada preso aqui, é um a menos para a Susepe. Estão passando o serviço deles para nós”, acrescenta. “Quem tem prejuízo é a Polícia Civil, a Brigada Militar, a sociedade”, ressalta, admitindo que a situação é desumana também para o preso. “Além de tudo, tem risco de motim, de fuga”, afirma o delegado.
Conforme Rafael, a transferência dos presos para as cadeias não ocorre de acordo com a ordem de chegada. “É de acordo com a periculosidade, se é ligado ou não a facção criminosa, se já esteve preso, depende do perfil de cada um deles”, comenta, explicando a razão pela qual alguns permanecem durante semanas no local. Em 2019, a DPPA chegou a contar em um dia com cerca de 40 presos. “O trabalho na DPPA segue funcionando, mas há transtornos, claro. A situação dos presos é que chegou ao caos; a DPPA ainda não”, acrescenta Rafael, lembrando de quando atuava na 2ª DPPA de Porto Alegre. “Naquela época, os presos só permaneciam na delegacia o tempo de registrar o flagrante, umas 2, 3 horas, no máximo. A gente entregava o plantão com as celas limpas”, conta ele, que em um dia chegou a bater o recorde de flagrantes: 21 em 24 horas.
Na opinião do delegado, duas medidas deveriam ser tomadas para amenizar a situação: a construção de casas prisionais e a geração de renda por parte dos presos. “O preso deveria trabalhar para não ficar ocioso. Criar renda e quitar as custas dos processos e os danos da vítima”, finaliza.


* Reportagem: Bruno Flores, Murilo Dannenberg e Thaís Lauck


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