DRAMA NA PESCARIA: Duas horas em cima de um barco virado

24/06/2019
Barco de pescadores de Dois Irmãos vira na lagoa de Tavares e eles ficam duas horas sem socorro

Barco de pescadores de Dois Irmãos vira na lagoa de Tavares e eles ficam duas horas sem socorro

(Por Alan Caldas)
 

Na quinta-feira da semana passada, quatro amigos de longa data foram pescar. O quarteto tem destino certo para suas pescarias. Eles saem de Dois Irmãos, vão em direção a Mostardas e dali seguem até Rincão, uma localidade que fica a 12 km de Tavares. 
Luiz, José, Bolinha e Nei costumam pescar nesse local, mas fazem suas pescas de traíra e jundiá “nos valos”, nos braços da lagoa, que é enorme. Embora José tenha um barco de pesca com 5 metros e motor de 15 hp, eles raramente entram na lagoa. Mas, desta vez, eles entraram. Dos quatro amigos, apenas três foram. José ficou no acampamento.
Na sexta-feira à tarde havia um vento forte gerando ondas de mais de meio metro na lagoa. Ondas que deixam o barco instável. Mas eles jogaram quase 200 metros de rede para cima do barco, ligaram o motor e foram uns 600 metros lagoa adentro. Eram quase 3 horas da tarde, quando entraram. E quem já viu pescador pescando, deve imaginar a alegria com que eles foram para dentro da lagoa. Para quem pesca uma média de 50 quilos, lançar uma rede de 200 metros causa expectativa bem maior que isso, e, portanto, a alegria daquele quarteto era imensa.
A rede foi lançada na água e estendida. Mas a rede é longa e precisa ficar retinha, para formar uma barreira onde os peixes batem, se prendem e está feita a pesca. E não é fácil estender uma rede na lagoa, especialmente com vento e onda. Tem de ter garateia, umas boias que ficam de um lado e outro, fazendo com que a rede fique bem estendidinha. 
Inexperientes em entrar na lagoa, eles tinham esquecido uma garateia lá no acampamento. E se obrigaram a voltar para a beira, a fim de buscar. E quando pegaram o equipamento, como que num aviso divino, um dos amigos, o Bolinha, resolveu ficar em terra. Só o Luiz e o Nei foram para o local onde estava a rede. O vento soprava mais frio ainda. E as ondas sempre dando laçaços no barco.
No caminho até o local onde tinham lançado a rede, o Luiz e o Nei iam sentados mais na popa, a parte de trás do barco, e a “garateia”, que era, de fato, um balde cheio de areia, ficou lá na proa, a parte da frente do barco.
Quando estavam chegando na rede, o motor é desligado um pouco antes e o barco vai deslizando lentamente. Nisso, o Luiz se levanta e vai para frente. Mas o Luiz pesa 90 quilos, e o peso dele mais o peso do balde de areia e mais o peso do Nei criam uma instabilidade. E o barco simplesmente vira, jogando os dois para dentro da água gelada.
O Luiz, que estava de pé, se agarra ao barco e não afunda. Mas o Nei vai ao fundo e volta, porém tomou muita água. Ambos se seguram no barco e sobem nele. Com o corpo encharcado de água e o cérebro encharcado de adrenalina pelo susto que levaram, os dois sentam no barco virado e começam a gritar desesperadamente por socorro. O Luiz tira o boné e fica agitando, na esperança de ser visto.
A todo pulmão, os dois gritam por socorro. Mas eles estão quase meio quilômetro lagoa adentro. O vento soprava a favor deles, levando os gritos em direção a costa. Mas por mais que gritem, eles não conseguiam ver se alguém tinha escutado. E se alguém tinha escutado e respondesse, no contravento eles não escutariam. A situação vai ficando dramática.
Os minutos vão passando. O Nei segue gritando, tentando ser ouvido por alguém, lá longe. O Luiz diz ter meio que se conformado, havia gritado um pouco, mas depois desistiu, e começou a fazer o inventário da vida. “Eu sempre fui um cara bom”, disse ele, “ajudei muitas pessoas, e se tivesse que morrer ali era porque tinha algo a pagar”, lembrou ele, mais tarde, rindo daquela que poderia ter sido sua maior desgraça.


Lá fora da lagoa, porém, 
alguém ouviu
. O José ouviu. E o Bolinha também ouviu. Mas eles não têm como ir até lá, salvar os amigos. O lugar é ermo, é distante de tudo, é completamente desabitado. Até o acampamento é no meio do nada, é eles e mais ninguém por ali. E assim José e Bolinha ficam na costa, de um lado para o outro, pensando o que fazer. 
Então lembram de ter visto um barco, não muito distante dali, coisa de 1 km e pouco. Um barco cheio de redes velhas em cima. Meio que abandonado. E o Bolinha sai correndo e vai até lá. Toda pressa ainda é pouca, pois os dois podem estar prestes a se afogar. O José fica no acampamento, já em desespero porque o vento soprava cada vez mais forte e no barco além do amigo Nei estava seu irmão Luiz. A emoção toma conta dele de forma quase incontrolável.
Enquanto isso, esbaforido de tanto correr, o Bolinha chega no barco. Tem uma mulher e um menino, por ali. Os donos do barco. Ele fala com a mulher, explica a situação e pede emprestado a embarcação para ir até lá salvá-los. Ela diz que sim, mas avisa para não entrarem pelo lado, por que barquinho vira facilmente. E havia um outro problema: esse barco não tinha motor. E, pior, não tinha nem remo. 
Como levar um barco de pesca não tão pequeno, 600 metros lagoa adentro e lutando contra o vento? Tinha de ter um remo. Bolinha improvisou como remo uma única taquara que havia por ali, e empurrando o barco para dentro da lagoa seguiu em direção aos amigos, braceando aquela taquara como se fosse um remo. 
A pessoa que lhe emprestou o barco, por sua vez, saiu a procurar o esposo, que tinha outro barco, esse com motor, e avisá-lo para ir fazer o socorro. E o Bolinha foi remando como deu, sentido no rosto os laçaços do vento e da água que levantava com as ondas.
Implacável, o tempo vai passando. Mais de uma hora já havia decorrido desde que o barco virou. E o vento e as roupas todas molhadas vão fazendo seu trabalho no Luiz e no Nei, congelando-os ao ponto de já estarem ficando roxos de frio. 
Os dois não sabiam mais o que fazer. Estavam em cima de um barco virado, com frio e vento forte, e ninguém por perto para socorrê-los. Até pensaram em tentar desvirar o barco. Mas é um barco grande e pesado, e se ele desvirasse com a água dentro poderia afundar de vez. E aí eles, que não são nadadores, estariam perdidos de vez, pois naquela área a lagoa tem entre 5 e 10 metros de profundidade. 
Sentados no barco, em silêncio só cortado pelo vento e pela voz de um ou outro pássaro que passava ao longe, eles foram meio que se conformando com um destino incerto. Em silêncio, os dois começaram a pensar na vida. Nas famílias. Nos amigos. Em não terem usado colete salva-vidas. No por que tinham justo naquele dia querido entrar na lagoa, se nunca antes tinham feito isso. Começaram a pensar no que se pensa quando a situação parece realmente trágica e final. 
Passadas duas horas, e já estando dando o jogo como que perdido, eles viram, finalmente, o Bolinha se aproximando num barco cujo remo era uma taquara. Parecia uma visão. Foi como se a vida renascesse para eles. O Bolinha avisou para entrarem pelo lado, pois o barco poderia afundar. Mas o Nei entrou assim mesmo. O Luiz tentou entrar por trás, como manda o figurino, mas faltou força e ele teve de ser puxado para dentro, pelos dois amigos.
Com os dois já no barco, 10 minutos depois chegou o outro barco, esse com motor. Era o socorro. Esse barco reboca o barco sem remo até onde dá pé, e deixa ali o Luiz e o Nei, e junto com o Bolinha volta até o barco afundado. Lá chegando, o Bolinha se joga na água, mergulha e pega a corda do barco que estava virado, prendendo-a no barco a motor que o reboca para a margem.


Chegando mais ou menos a uns 
50 metros da margem,
a lagoa já dá pé. E com água pelos peitos, Bolinha, Luiz e Nei pularam na água e desviraram o barco. Tiveram de tirar a água, para ele flutuar bem. Mas tinham de tirar o barco da água. E cansados do jeito que estavam, eles não tinham força para tanto. Foi aí que apareceu um homem a cavalo, que vendo aquela cena foi com o cavalo para dentro da água. O Luiz amarrou a corda do barco na cincha do cavalo e o cavaleiro puxou o barco para fora, levando-o até um lugar seco, deixando-o próximo do acampamento. Um final feliz, para uma história de pescaria que poderia estar sendo contada hoje de forma trágica.


Luiz se emociona ao lembrar dos momentos lembrar dos momentos


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